domingo, 6 de outubro de 2013

A ética na clínica psicanalítica



A ética na psicanálise se constitui da práxis e não tão somente da técnica. E a clínica é por excelência o campo da prática. Costuma-se dizer que a clínica psicanalítica só é possível se há transferência. Uma das teses de Lacan no Seminário 11 – os quatro conceitos da psicanálise, é de que a transferência é a realização atualizada do inconsciente, ou seja, ali ele se faz atual. Numa psicanálise o convite a falar é uma das premissas. E o que a acontece com o sujeito está relacionado a fala. Dissemos que o inconsciente se estrutura como uma linguagem. Ora, na fala do sujeito veicula de modo velado o desejo, que aparece como enigma. Na transferência o sujeito traz como demanda que o outro, no caso o psicanalista, dê a resposta - sobre sua questão, seu sofrimento. O sujeito se queixa, se agarra a queixa e repete a demanda de que alguém venha responder. A questão é o que o psicanalista faz com este pedido, com esta demanda. Este é o trabalho de análise, ou seja, “propor” que o sujeito tope com a falta e com isso se resignifique, se reinvente. Está aí uma prática que indica uma ética.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Ética  e estética

Os modos de conhecimentos, as formas de vida, nossas experiências estéticas estão pautadas por imperativos que são celebrados em inúmeras narrativas. Hoje, assistimos o apego as aparências e um certo crepúsculo de elementos que envolvem a criação. Possivelmente porque estamos tomados pela ânsia e velocidade das tecnologias. No processo das aprendizagens o risco é imanente, até porque a educação produz e é produzida pela cultura, que por sua vez se constitui destas narrativas. A reflexão é a maneira de enfrentarmos o risco de não sucumbirmos ao ponto de ficarmos reféns dos padrões discursivos, que como já dissemos opera na cultura. A cultura nada mais é do que fluxo.
É fato que a ética ocidental se pautou na busca do racional, base da ética na educação que perdurou séculos[1]. Hoje, temos claro a falência das narrativas com pressupostos essencialmente racionais. Sabemos que estas narrativas sofreram uma instabilidade intensa. Com o rompimento da unidade da razão surgiram inúmeros modos de vida, e com isso a pluralidade, a diferença e a alteridade. A educação foi a que mais sofreu com a crise da racionalidade. Estando esse racional em crise é necessário que possamos pensar em outras formas de produzir conhecimento, produzir modos de viver, e neste momento que propomos pensar a experiência estética como propiciadora destas novas criações.
Podemos inferir e dizer que nosso país, o Brasil, a partir dos eventos últimos, ou seja, os movimentos, as redes sociais, a presença do povo nas ruas, com o emblemático chamado, “o gigante acordou”. Tudo isso pode servir como um exemplo do que pode compor numa experiência estética. Isto é, não tem como passarmos por uma experiência estética e sairmos iguais. 
Na experiência experiência estética temos que não é possível buscar um sentido a priori, são necessários sentidos, estes a serem criados, ou seja, dado por quem navega. Na verdade essa é a especificidade do conceito de significante na psicanálise. Nós não temos como organizar o mundo do entorno se não metaforizarmos. “(...) o perder-se no interior do caminho da compreensão, faz parte de todo processo criativo. Qualquer forma de pensamento e de expressividade estética está impossibilitado de existir, se, durante sua caminhada, não perder um naco de suas intenções primordiais, justamente para que possa retornar a algo que estava alhures, mas pensava encontrado.” (Bairon, 2005, p.79.)

[1] Este aspecto foi trabalhado na minha dissertação de mestrado: A ética na educação: uma perspectiva psicanalítica, no Cap. 2 – A ética na educação, p.19-36.

terça-feira, 28 de maio de 2013


O sexual é patológico?

Lanço esta questão para que possamos, quem sabe, pensar como se comporta esse significante que borda qualquer discurso, ou seja, o sexual. Nem tudo é apenas sexual, mas o sexual está em tudo.
Ora, numa relação sexual, cada um está fundamentalmente, na sua fantasia e tenta realizá-la com o outro, que por sua vez, também está na sua fantasia. O sexo seria o lugar onde existem as pessoas, é claro, e a fantasia operando. Neste sentido o que se realiza no campo sexual não é patológico. Pode ser patológico o sujeito sofrer por não conseguir viver a sexualidade que gostaria e por aí. Ser diferente, ter idéias diferentes sobre a sexualidade, ter uma conduta sexual diversa não tem nada de patológico.
Sabemos que Freud definiu a sexualidade como essencialmente polimorfa, aberrante. Estava aí, quebrado o encanto de uma pretensa inocência infantil. Sabemos também que as vias de tentativa de prazer concebidas na nossa contemporaneidade passam também pelo aspecto do virtual. O sexo virtual não tem nada de diferente do sexo real, no que diz respeito as fantasias de cada um. Então, tanto melhor se pudermos usar as mais variadas formas de comunicação interpessoal e incorporá-las à nossa vida psíquica.
Mesmo que a medicina do século XIX tenha se esforçado para tornar patológicas algumas condutas sexuais, devemos considerar que as variantes do desejo sexual não são patológicas.
O discurso neurótico versa na tentativa de agradar o outro, isto é, se eu agradar o outro, vou estar livre, vou ser aprovado, ter amor do outro etc.. Essa é a saída desastrada e comum de que o neurótico lança mão para evitar a castração. Uma outra saída é de Antígona[1]. Ela não deixa influenciar-se pela pólis. Segue a lei do desejo. Então, fazer o bem e agradar ao outro, isso está sempre em jogo para nós. O que o outro vai pensar de mim, etc... Pois bem, agradar ao outro não é problema, o problema é quando isso se torna valor prevalecente, isto é, um valor acima de tudo. Sabemos que o desejo desagrada, pois o desejo é excêntrico, ele não me pertence, mas me diz respeito. Seria aquilo de que fugimos, como o diabo foge da cruz. O desejo vem de um outro lugar, tirando-nos o conforto. O desejo tem um elemento sexual. É interessante pensarmos o seguinte: por que a questão sexual causa tanto problema?

[1] Da tragédia grega de Sófocles. Antígona defende as leis “não escritas” do direito moral contra a falsa justiça da razão do Estado e das sociedades humanas.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013


Por que somos violentos?


A violência é histórica e endêmica, ou seja, é permanente na espécie humana, traz e sempre trará prejuízos constantes enquanto existirmos. Impossível esperarmos uma sociedade que seja pacífica. Dizemos isso para entendermos um pouco algumas tragédias, como por exemplo, o que aconteceu em Newtown (Connecticut) nos Estados Unidos, dezembro último e outros eventos semelhantes.

Interessante pensarmos que escolhemos por quem vamos fazer o luto. Os americanos poderiam dizer que a sociedade brasileira é inviável, pois matamos no trânsito tanto quanto ou mais que os americanos mataram na guerra do Vietnã. E nós diríamos, que é melhor estar aqui do que viver num país onde as pessoas entram nas escolas e matam pessoas. O importante nestes exemplos é que não é possível prevermos atitudes de violência. É claro que existem casos clínicos violentos e temos que tratá-los. Mas sabemos que em se tratando do ser humano, sempre estaremos em território nebuloso. Até por que possivelmente já passou pela cabeça de uma pessoa o desejo de matar alguém, mas daí em fazê-lo é outra coisa. Uma passagem ao ato é o nome técnico dessa atitude que para além do limite leva alguém ao crime. E mais, não podemos antecipar nenhum ato. Não temos como nos proteger, há uma imprevisibilidade, isso é o que mais nos angustia.

A tentativa de controle ou a tentativa de anteciparmos é um equívoco. Isso não significa que não há nada a fazer. Talvez este é o risco deste pensamento, ou seja, o de que não temos como antecipar, ou não temos controle sobre nós, sobre o mundo e a natureza, então nada temos a fazer.

Há medidas a serem realizadas, temos que observar que existe um novo laço social, que exige que cada um invente e se responsabilize por isso, pelas suas escolhas. Este laço não responde mais aos grandes temas. Como por exemplo: o cidadão pegar nas armas para servir a nação. Os jovens, ou a nova geração está nos ensinando um novo jeito de nos relacionarmos. Eles dizem não a esta ordem. Eles suportam uma articulação sem sentido, e suportam isso sem problema. Há uma pulverização de sentidos e os jovens de hoje lidam melhor com isso. Ao mesmo tempo que se vinculam se desvinculam com imensa facilidade. Na maioria das vezes lemos isso aterrorizados, achando que estão perdidos, no entanto somos nós que estamos assustados, ou engessados, com certa dificuldade de renovar as ideias, conceitos e porque não, crenças. Há uma nova forma de transcendência que não correspondem mais aos grandes símbolos, mas que também trabalham símbolos. Os jovens não estão preocupados se você entendeu, mas se você sentiu o que eles também sentiram, tá ligado?