terça-feira, 2 de março de 2010

“Não quero ter razão, quero ser feliz”


Reedito este texto com algumas alterações, a reedição se deve ao fato de considerá-lo atual e interessante de ser pensado. A partir da leitura de um artigo de Ferreira Gullar na Folha de São Paulo, caderno Ilustrada fiquei pensando acerca desta frase "Não quero ter razão, quero ser feliz". Gullar escreve neste artigo sobre uma intervenção sua num encontro literário no Rio de Janeiro onde afirmava o seguinte: "... uma das piores coisas no mundo é querer ter razão." Se referia à guerra entre palestinos e judeus, mas ampliava a questão para as brigas de casais. Onde a pessoa insiste em ter razão, discute com o parceiro(a), o outro contra argumenta e tal, ambos se exaltam e daqui a pouco estão amuados, cada um no seu canto. Cheios de razão, porém infelizes. O que disse Gullar sobre a questão: "não quero ter razão, quero ser feliz." Frase que ganhou adeptos, uma delas sou eu, mas muitos dos que lá estavam sairam repetindo e vendo-a como uma frase para muitas brigas de casais. Assim como Gullar, sou dada a aforismos, uma prática dos surrealistas, autores de frases irreverentes e inesquecíveis. É fato que os aforismos devem supostamente encerrar uma verdade, são sintéticas formulações da sabedoria popular. É fato também que aquela turma que juntaram-se à volta de André Breton valeram-se do aforismo para manisfestar sua irreverência. Aliado a essa turma cito Jacques Lacan, psicanalista que realizou uma releitura de Freud. Lacan é contemporâneo aos surrealistas, e também nos faz pensar muito com seus ditos, aforismos e por que não dizer, seus matemas¹. Como por exemplo: “O desejo inconsciente é o desejo do Outro” ; “O que ressurge no inconsciente do sujeito é o desejo do Outro, ou seja, o falo desejado pela mãe”. Voltando aos surrealistas que também foram tocados pela psicanálise, cito um aforismo que me fez pensar:
"Bate em tua mãe enquanto ela é jovem". Posso dizer que nunca pensei em bater na minha mãe, mas se tomarmos como uma metáfora, e bater pode significar bater na representação de mãe que cada um constrói, podemos nos servir deste aforismo e exercitarmos se opor aos muitos ditos da cultura. E quem sabe, nos libertarmos um tanto das expectativas dos outros. Não ceder do desejo, sustentando evidentemente o que essa posição implica.
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¹ O conceito de matema na psicanálise adquire uma importância e neste sentido considero necessário algum esclarecimento. Matema é forjado, ao que parece, a partir do mitema de Claude Lévi-Strauss e da palavra grega mathema, que significa conhecimento. Como transmitir de modo adequado um saber que tem a aparência de não poder ser ensinado? Para responder a esta pergunta, cujas primícias encontrou na leitura do Tractatus, de Wittgenstein, Lacan inventa o matema. Depois de 1972 e 1973, fornece várias definições de matema, chegando a definir como escrita significante, do um, do traço, da letra, ou seja, a escrita daquilo que não se diz, mas que pode ser transmitido. (Roudinesco, 1988, p. 610)