domingo, 21 de novembro de 2010



O amor como centro de tudo


Theodor  Fontane  dizia que a vida tal como ela se apresenta é árdua, proporciona-nos muitos sofrimentos, decepções e tarefas as vezes impossíveis. E para suportá-la não poderíamos dispensar medidas paliativas, ou seja, não poderíamos passar sem construções auxiliares. Freud no seu texto O Mal estar na cultura cita algumas medidas ou derivativos poderosos que nos fazem extrair luz da desgraça. Como por exemplo, a atividade científica ou intelectual, as satisfações substitutivas, tal como as oferecidas pela arte, são ilusões em contraste com a realidade, e poderíamos nos perguntar onde a religião encontra lugar nessa série? Esta última questão caberia uma reflexão mais aprofundada, não é nosso interesse aqui.  
Ora sabemos que a questão do propósito da vida humana foi levantada várias vezes e nunca se teve uma resposta satisfatória e talvez não haja. Não se trata de enumerar métodos para conseguir a felicidade e manter afastado o sofrimento. Há de certa forma uma demanda social de uma técnica da arte de viver, e é isso que nos interessa aqui. Talvez aí possamos pensar numa modalidade de vida que faz do amor o centro de tudo, que busque toda a satisfação de amar e ser amado. Temos que concordar que uma atitude psíquica deste tipo chega a nós de modo bastante natural. Uma das formas através da qual o amor se manifesta - o amor sexual – nos proporciona experiências de prazer, fornecendo com isso um modelo de busca de felicidade. Então temos a questão: há algo mais natural do que persistirmos na busca da felicidade do modo como a encontramos? A questão frágil desta técnica de viver é que nunca nos achamos tão indefesos contra o sofrimento como quando amamos, nunca tão desamparadamente infelizes quando perdemos o nosso objeto amado. O curioso, porém é que isso não elimina com a técnica de viver baseada no valor do amor como meio de obter felicidade.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010



A direção do tratamento

Uma obra interessante para elucidar as referências do texto A direção do tratamento  do livro   Escritos de Jacques Lacan é História da Psicanálise na França de Elizabeth Roudinesco. É importante salientar que este texto A direção do tratamento esta perpassado pela questão do objeto. As psicoterapias tem como pressupostos que existe um objeto adequado ao que chamamos de falta. A diferença básica em relação a psicanálise, é que esta  vai escutar que o que esta em jogo numa análise é da ordem do fantasma. Lacan vai se interessar pelo que vem junto da demanda e que a partir disso possa se dar a interrogação pelo desejo. Podemos dizer que numa psicanálise se trabalha a demanda acolhida e não respondida.
Então,  dizemos  que a direção do tratamento vai se dar pelas palavras. Uma  das questões que estão presentes numa análise é: como eu me fundo? O neurótico tem um delírio, que é o da auto-fundação. Dizendo: não devo nada a ninguém, eu me fundo. Uma pergunta que remete a como se dá a filiação.   A saída mais fácil, e é o que aparece em algumas psicoterapias, é pelo modelo, ou seja, encontrar uma referência fática que vise uma garantia.
Para a psicanálise o ato de interpretação é a queda de um dito que sempre se colocou como verdade. O pressuposto da psicanálise é que nós estamos lidando com um ser falante. Neste sentido o discurso do psicanalista marca um encontro com a falta pelo analisante. Na neurose, por exemplo, evitamos a todo momento com força estrondosa em concluir. Extraindo a satisfação do adiamento indefinido, este adiamento tem a ver com a morte. A morte do objeto.
A felicidade seria um saber-fazer no coração do tempo com tudo o que isso significa de efeitos para o ser.


terça-feira, 28 de setembro de 2010

Poéticas e Psicanálise: O vento é do mundo. O invento é do ente. O descobr...

Poéticas e Psicanálise: O vento é do mundo. O invento é do ente. O descobr...:
 "'Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre entre pedras: liberdade caҫa jeito.' 'Sou livre para o silêncio das formas e das..."

Sim para o silêncio, sim para o intervalo, para a distância, para a castração, para que o outro apareça,
a letra apareça... a obra se faça ...refaça ...

"palavra puxa palavra ...idéia traz idéia e assim se faz um livro... um governo... ou uma revolução." Machado de Assis.





sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Introdução a questão do saber em psicanálise

Jacques Lacan no Seminário 17 - O Avesso da psicanálise tenta diferenciar os saberes que estão em jogo na análise. Irá dizer que pelo trabalho não se conquista saber, pois o saber em questão seria o saber sobre o gozo. E no trabalho há a suspensão do gozo. O saber que vai interessar a psicanálise, não é nem um saber como agente, nem um saber como produto e tampouco um saber como outro. Todas essas posições do saber não dão conta na psicanálise. Lacan presta atenção para um saber que escapa a todos.
O saber do analista não é um saber fracassado, mas um saber em fracasso. O psicanalista está num lugar de saber, no entanto não poderá se servir deste saber. O desejo do psicanalista  está situado no lugar, ou na condição de se deparar, topar com um saber que não se sabe. Saber da impotência, ou saber em fracasso.
Mas como fica a questão do lugar de legitimação do analista que é diferente da legitimação que é dado ao exercício da psicologia, pois se trata de um saber que o estado garante. Como se situa o psicanalista dentro da sociedade? As garantias sociais, burocráticas não servem ao psicanalista, o que lhe serve talvez seja o reconhecimento dos que fazem a mesma coisa, isto por um lado, por outro lado o lugar do psicanalista existe via analisante pelo fato deste lhe endereçar sua fala. O psicanalista em dizendo ao analisante “fale mais sobre isso” supõe que o analisante carrega um saber que não sabe. Um saber inconsciente que se dá no plano da associação livre.

terça-feira, 6 de julho de 2010

“Semideuses não aceitam derrotas”

Li esta frase no artigo de Luiz Coronel, por sinal muito bem escrito, na ZH de hoje (06/07/2010). O autor da frase escreve sobre a copa do mundo e do jogo do Brasil 1 x 2 Holanda. Estava pensando em escrever sobre este evento, até porque todos brasileiros acabamos por expressar nossa teoria acerca da derrota do Brasil. Não pretendo lançar teoria, apenas refletir sobre a coisa. Quem não lembra desse hino do Brasil em copas: “A copa do mundo é nossa. Com brasileiro não há quem possa.” Tudo bem que foi um hino pós-conquista de copa. Só que nesta postura de semideus reside um ímpeto que não leva em conta o outro. Ou seja, não se aceita não ganhar. Perder passa a ser um verbo excluído, uma foraclusão do fracasso. Não pode sequer entrar no vocabulário. Parece que a preparação psicológica, ou aposta absoluta no pensamento positivo, que não leva em conta as adversidades, a falta, o desamparo, a seleção nesta copa teve um axioma a bordo: vamos lá buscar a taça, afinal ela é nossa. Tudo é nosso. Acontece que a realidade, que na maioria das vezes é dura, foi deixada de lado. Com data marcada para a festa não levamos em conta as adversidades no caminho.
É claro que é bom termos propostas entusiastas, criativas, mas temos que  levar em conta que o pensamento positivo não é suficiente.  A desvantagem que o Brasil teve que enfrentar no segundo tempo de jogo para a Holanda, despiu a total falta de preparo para lidar com a situação adversa.  Parece que “nossos meninos ricos não estavam preparados para perder”. Perderam-se, ficaram sem rumo, não contavam com a possibilidade, ou seja, não levaram  a realidade em conta, que compõem necessariamente a presença do outro.
Outra pérola que tiro do artigo de Luiz Coronel é onde ele bem lembra John Gerassi que dizia o seguinte: “os povos latino-americanos vivem de frente para o mar e de costas entre si”. Uma hostil rivalidade, recíproca, diga-se, mas que é muito fútil. Vou torcer para o Uruguai.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Comemorando o Bloomsday
Outro dia li uma entrevista com Ken Monaghan, sobrinho de James Joyce. Ken é filho de uma das irmãs de Joyce, May Joyce Monaghan. Atualmente Ken dedica seu tempo ao Centro James Joyce em Dublin. Embora conheça a obra do escritor, Ken interessa-se pela família e pelas circunstâncias que contribuíram para formar Joyce.
No próximo dia 16 de junho estaremos comemorando o Bloomsday, que é o dia de Leopold Bloom, ou melhor, o dia em que o personagem de Joyce vive e revive no livro Ulisses a sua história. Oficiosamente 16 de junho de 1904 é o dia em que Joyce conheceu Nora, sendo portanto o Bloomsday a comemoração do encontro do escritor e da sua musa.
Ken relata que cresceu numa época em que o nome de Joyce era uma palavra feia na Irlanda. Sua mãe guardava todos os artigos publicados sobre Joyce, porém raramente falava do irmão. As lembranças que ela tinha da família eram penosas. Por causa do pai - que se tornou alcoólatra – a família foi obrigada a deixar o conforto e a segurança da zona sul de Dublin e ir para a zona norte. Num período de 11 anos teve que mudar 16 vezes. Das vezes que essa mãe falava de Joyce dizia o quanto ele era delicado com as meninas. Dava a entender que não aprovou o fato de Joyce ter ido para Paris com Nora Barnacle, com quem se casou muitos anos depois, em 1931 para legalizar a situação dos filhos. Joyce deixou a Irlanda e não manteve contato com as irmãs. Quando estava escrevendo Ulisses Joyce escrevia para uma tia e fazia perguntas como: quantas árvores há na frente da igreja ou onde está o senhor O´Brien etc... Quando Joyce era pequeno era muito ligado a mãe. Com o tempo, se afastou dela e passou a admirar o pai. Foi na infância e na adolescência que ele acumulou os materiais para as histórias, para os personagens de seus livros. Em quase todos os personagens o pai aparece. Na verdade o pai aparece em toda obra. Inspirou a maioria das histórias de Os Dublinenses. No Retrato do Artista Quando Jovem Stephan Dedalus descreve o pai como Joyce poderia descrever o seu: um tenor, um político, um ótimo companheiro, um contador de histórias. No Ulisses, o pai aparece das mais diversas maneiras – o som da sua voz, a atitude física. Ora inspira Bloom, ora Stephan Dedalus.
Em 1954 o Bloomsday foi celebrado pela primeira vez por cinco escritores, entre os quais, O`Brien. Partiram à cavalo de Marcelo Tower – onde se passa o primeiro capítulo de Ulisses – com o propósito de ir longe, mas as tentações, os pubs eram tantos no caminho que a coisa desandou. Nas últimas décadas o Bloomsday tem sido celebrado por várias pessoas no mundo inteiro. Talvez pudéssemos pensar ou dizer que o Bloomsday é uma celebração do amor – o dia em que Joyce e Nora se encontraram – esta poderia ser uma interpretação interessante, pois Ulisses foi um presente que Joyce deu a Nora. E que presente!

terça-feira, 27 de abril de 2010

Ser para a morte

No texto As variantes do tratamento padrão dos Escritos de Jacques Lacan o sujeito “in statu nascendi” é uma realidade mortal, ou ser para a morte, da qual o eu é justamente o desconhecimento. Desde então o instinto de morte pode ser definido como a lembrança silenciosa da realidade. Essa interpretação é confirmada pelo que Lacan acrescenta sobre a transferência. Para que a relação de transferência possa escapar aos efeitos, como por exemplo o da análise conduzida, será necessário que o analista tenha se despojado da imagem narcísica de seu eu e de todas as formas do desejo onde ela se constitui, para reduzi-la a uma única figura que, sob suas máscaras, a sustenta: a do mestre absoluto, a morte. É justamente aí que análise do eu encontra seu termo ideal. A morte não se trata de um objeto que se possa ter alguma intuição – essa morte não tem nada a ver com aquilo que é dito no universal “todo ser humano é mortal”, se trata neste caso do ser para a morte que resta a ser reformulado, ou a se reformular para cada um num trabalho de análise.

terça-feira, 2 de março de 2010

“Não quero ter razão, quero ser feliz”


Reedito este texto com algumas alterações, a reedição se deve ao fato de considerá-lo atual e interessante de ser pensado. A partir da leitura de um artigo de Ferreira Gullar na Folha de São Paulo, caderno Ilustrada fiquei pensando acerca desta frase "Não quero ter razão, quero ser feliz". Gullar escreve neste artigo sobre uma intervenção sua num encontro literário no Rio de Janeiro onde afirmava o seguinte: "... uma das piores coisas no mundo é querer ter razão." Se referia à guerra entre palestinos e judeus, mas ampliava a questão para as brigas de casais. Onde a pessoa insiste em ter razão, discute com o parceiro(a), o outro contra argumenta e tal, ambos se exaltam e daqui a pouco estão amuados, cada um no seu canto. Cheios de razão, porém infelizes. O que disse Gullar sobre a questão: "não quero ter razão, quero ser feliz." Frase que ganhou adeptos, uma delas sou eu, mas muitos dos que lá estavam sairam repetindo e vendo-a como uma frase para muitas brigas de casais. Assim como Gullar, sou dada a aforismos, uma prática dos surrealistas, autores de frases irreverentes e inesquecíveis. É fato que os aforismos devem supostamente encerrar uma verdade, são sintéticas formulações da sabedoria popular. É fato também que aquela turma que juntaram-se à volta de André Breton valeram-se do aforismo para manisfestar sua irreverência. Aliado a essa turma cito Jacques Lacan, psicanalista que realizou uma releitura de Freud. Lacan é contemporâneo aos surrealistas, e também nos faz pensar muito com seus ditos, aforismos e por que não dizer, seus matemas¹. Como por exemplo: “O desejo inconsciente é o desejo do Outro” ; “O que ressurge no inconsciente do sujeito é o desejo do Outro, ou seja, o falo desejado pela mãe”. Voltando aos surrealistas que também foram tocados pela psicanálise, cito um aforismo que me fez pensar:
"Bate em tua mãe enquanto ela é jovem". Posso dizer que nunca pensei em bater na minha mãe, mas se tomarmos como uma metáfora, e bater pode significar bater na representação de mãe que cada um constrói, podemos nos servir deste aforismo e exercitarmos se opor aos muitos ditos da cultura. E quem sabe, nos libertarmos um tanto das expectativas dos outros. Não ceder do desejo, sustentando evidentemente o que essa posição implica.
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¹ O conceito de matema na psicanálise adquire uma importância e neste sentido considero necessário algum esclarecimento. Matema é forjado, ao que parece, a partir do mitema de Claude Lévi-Strauss e da palavra grega mathema, que significa conhecimento. Como transmitir de modo adequado um saber que tem a aparência de não poder ser ensinado? Para responder a esta pergunta, cujas primícias encontrou na leitura do Tractatus, de Wittgenstein, Lacan inventa o matema. Depois de 1972 e 1973, fornece várias definições de matema, chegando a definir como escrita significante, do um, do traço, da letra, ou seja, a escrita daquilo que não se diz, mas que pode ser transmitido. (Roudinesco, 1988, p. 610)





terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

A ética na educação: uma perspectiva psicanalítica

Para acessar minha dissertação de mestrado siga o link: http://hdl.handle.net/10183/2560 (Repositário Digital - UFRGS)

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Psicanálise e Educação

O interesse da psicanálise as questões colocadas pela educação assumiram formas muito diversificadas, em função dos avanços das mesmas e também por influência do contexto social onde suas intervenções são e foram convocadas.
Algumas questões sobre a educação foram evocadas por Freud, já em 1905, no Três ensaios sobre a sexualidade, sublinhando alguns aspectos temos: o benefício que adulto pode extrair de energias infantis não reprimidas, na medida em que elas fornecem material para o processo cultural da sublimação. A criança deve aprender a dominar suas pulsões. Dar a criança liberdade de seguir irrestritamente todos os impulsos é impossível e, se tentássemos seria muito nefasto.
É preciso descobrir uma maneira para que a educação possa realizar o máximo e prejudicar o mínimo. A questão é saber até onde se pode ir, em que momentos e através de que meios. Ao nos perguntarmos por estas questões, estamos nos perguntando pela questão ética. A reflexão é necessária e pertinente nos nossos tempos. Já em 1898, em A sexualidade na etiologia das neuroses, dois anos antes de publicar a Interpretação dos Sonhos, Freud denunciava a hipocrisia em matéria de sexualidade na sociedade e convocou a uma “franqueza geral” quanto a esse assunto. Se Freud solicitava uma tolerância no campo sexual não foi por uma convicção ideológica, mas em razão de uma experiência clínica que lhe apontara, na repressão a sexualidade, o fator responsável pelas neuroses. E foi dentro desta visão que Freud condenou a sociedade de sua época. Para ele nossa civilização se constrói sobre a repressão das pulsões, e estava convencido de que o aumentos das doenças nervosas (psíquicas) provém do aumento das repressões sexuais.
No entanto, Freud não era partidário de nenhuma teoria da “permissividade” educacional ou de que abandonássemos unicamente ao princípio do prazer. Se ele achava que as repressões impostas à criança pela moral corrente produziam efeitos nefastos, nem por isso desconhecia a natureza eventualmente perversa da sexualidade.
A educação no seu conjunto de açôes deve prevenir tanto a perversão quanto o seu negativo, a neurose. Esses eram os objetivos que Freud atribuía a educação, ao mesmo tempo reconhecendo que, se a sublimação podia ser favorecida, nem por isso podia ser ordenada, escapando a qualquer dominação e vontade.
Desta maneira, Freud nunca alimentou a ilusão que a educação pudesse proteger completamente a criança dos recalcamentos. O inconsciente não é educável. O inconsciente escapa a qualquer regra social. Estamos condenados a avaliar seus efeitos só depois, nem sempre nos sendo possível compreender suas razões. Freud nos mostrou que a neurose está inscrita na normalidade, e que é inútil separá-la categoricamente. A educação não protege a criança de uma ação terapêutica futura, mas pode fazer muito.