quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O sexual é patológico?
Lanço esta questão para que possamos, quem sabe, pensar como se comporta esse significante que borda qualquer discurso, ou seja, o sexual. Nem tudo é apenas sexual, mas o sexual está em tudo.
Ora, numa relação sexual, cada um está fundamentalmente, na sua fantasia e tenta realizá-la com o outro, que por sua vez, também está na sua fantasia. O sexo seria o lugar onde existem as pessoas, é claro, e a fantasia operando. Neste sentido o que se realiza no campo sexual não é patológico. Pode ser patológico o sujeito sofrer por não conseguir viver a sexualidade que gostaria e por aí. Ser diferente, ter idéias diferentes sobre a sexualidade, ter uma conduta sexual diversa não tem nada de patológico.
Sabemos que Freud definiu a sexualidade como essencialmente polimorfa, aberrante. Estava aí, quebrado o encanto de uma pretensa inocência infantil. Sabemos também que as vias de tentativa de prazer concebidas na nossa contemporaneidade passam também pelo aspecto do virtual. O sexo virtual não tem nada de diferente do sexo real, no que diz respeito as fantasias de cada um. Então, tanto melhor se pudermos usar as mais variadas formas de comunicação interpessoal e incorporá-las à nossa vida psíquica.
Mesmo que a medicina do século XIX tenha se esforçado para tornar patológicas algumas condutas sexuais, devemos considerar que as variantes do desejo sexual não são patológicas.
O discurso neurótico versa na tentativa de agradar o outro, isto é, se eu agradar o outro, vou estar livre, vou ser aprovado, ter amor do outro etc.. Essa é a saída desastrada e comum de que o neurótico lança mão para evitar a castração. Uma outra saída é de Antígona[1]. Ela não deixa influenciar-se pela pólis. Segue a lei do desejo. Então, fazer o bem e agradar ao outro, isso está sempre em jogo para nós. O que o outro vai pensar de mim, etc... Pois bem, agradar ao outro não é problema, o problema é quando isso se torna valor prevalecente, isto é, um valor acima de tudo. Sabemos que o desejo desagrada, pois o desejo é excêntrico, ele não me pertence, mas me diz respeito. Seria aquilo de que fugimos, como o diabo foge da cruz. O desejo vem de um outro lugar, tirando-nos o conforto. O desejo tem um elemento sexual. É interessante pensarmos o seguinte: por que a questão sexual causa tanto problema?

[1] Da tragédia grega de Sófocles. Antígona defende as leis “não escritas” do direito moral contra a falsa justiça da razão do Estado e das sociedades humanas.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

De uma ética para uma estética

Na dissertação de mestrado minha pesquisa se deu acerca da questão ética, e de como é interpretada nos campos da educação e da psicanálise. Hoje deparo-me com a conseqüência desta discussão e passo a refletir sobre a passagem da ética para uma estética.
Os modos de conhecimentos, as formas de vida, nossa experiência estética estão pautados por imperativos que são celebrados em inúmeras narrativas. A história da filosofia revela esse processo. Assistimos o apego as aparências e um certo crepúsculo do elemento da criação. Talvez estejamos tomados pela ânsia e velocidade das tecnologias do saber. Nas aprendizagens o risco é imanente, até porque a educação produz e é produzida pela cultura, que por sua vez se constitui destas narrativas. A reflexão é a maneira de enfrentarmos o risco.
A ética ocidental se pautou na busca do racional, base da ética na educação que perdurou séculos[1]. Hoje, temos claro a falência das narrativas com pressupostos essencialmente racionais. Sabemos que as mesmas sofreram uma instabilidade intensa. Com o rompimento da unidade da razão surgiram inúmeros modos de vida, e com isso a pluralidade, a diferença e a alteridade. A educação foi a que mais sofreu com a crise da racionalidade. Estando esse racional em crise é necessário que possamos pensar em outras formas de produzir conhecimento, e neste momento que entramos com a experiência estética.
Temos claro que não é possível buscar um sentido a priori, são necessários sentidos, estes a serem criados, ou seja, dado por quem navega. Na verdade essa é a especificidade do conceito de significante na psicanálise. Nós não temos como organizar o mundo do entorno se não metaforizarmos. “(...) o perder-se no interior do caminho da compreensão, faz parte de todo processo criativo. Qualquer forma de pensamento e de expressividade estética está impossibilitado de existir, se, durante sua caminhada, não perder um naco de suas intenções primordiais, justamente para que possa retornar a algo que estava alhures, mas pensava encontrado.” (Bairon, 2005, p.79.)
Ao propormos a experiência estética entramos com um questionamento e também com uma proposta de ampliar os horizontes e pensar uma educação que possa levar em conta esses sentidos a serem criados, ou seja, pensar o processo criativo.
A noção de alteridade traz na sua esteira a noção do Outro, uma categoria que se revela indispensável para situar boa parte daquilo a que a psicanálise é chamada a conhecer. Essa noção é concebida como um espaço aberto de significantes que o sujeito encontra desde seu ingresso no mundo, trata-se de uma realidade discursiva que Jacques Lacan fala no Seminário 20 – mais, ainda.
Na psicanálise, conforme Lacan, a dimensão estética aponta para a dimensão do nome-do-pai. E uma das conseqüências do nome-do-pai é ordenar o desejo segundo as leis humanas. Quando Lacan traz o conceito de metáfora paterna, outra forma de designar o nome-do-pai, dirá que se trata de uma escrita que propõe uma concepção da função do pai no complexo de castração que também viesse a evitar certas dificuldades que Freud e seus seguidores tinham encontrado na sua época.
Para explicar o complexo de castração convém explicar como o pai se torna portador da lei: nenhum pai, seja ele real ou imaginário, está à altura da função, ou é capaz de exercê-la plenamente, pois se trata da lei simbólica, isto é, da própria lei do significante e, do pai simbólico, há apenas traços no próprio texto do discurso. A função paterna é instauradora da lei simbólica por escrita significante fundada na escrita da metáfora. Ora, o pai simbólico é o significante ou um dado irredutível do mundo significante. E nada no significante pode explicar o ser pai. Pois trata-se de uma metáfora, e alguma coisa no discurso concreto em que o sujeito se constitui comporta alguma coisa que corresponde a essa função ou não.
A experiência estética enquanto um modo de conhecer, enquanto possibilidade de compreender as exigências decorrentes da diversidade, da pluralidade características da atualidade é um dos nossos elementos de estudo. E o conceito lacaniano o nome-do-pai como uma escrita significante que possibilita a emergência do sujeito e conseqüentemente nos subjetivarmos nos auxilia no sentido de compreendermos como se dá a produção de saber.

[1] Este aspecto foi trabalhado na minha dissertação de mestrado: A ética na educação: uma perspectiva psicanalítica, no Cap. 2 – A ética na educação, p.19-36.

domingo, 9 de agosto de 2009

Por que uma psicanálise?
A fantasia prevalecente do nosso tempo é a do controle, de total autonomia. A psicanálise, ou uma análise vem nos dizer que não temos controle, apesar de fazermos uso da razão, há uma queda específica que Freud nomeia de desamparo, que a razão não dá conta. Hoje, na nossa cultura é muito difícil dizer "não vou conseguir". Temos a pretensão de verdade, de potência, no entanto não temos um modelo de condição suficiente, nem nunca teremos. Esta impotência não deixa de ser um subproduto da incompletude. Disso que não se dá conta, é duro, mas necessário enfrentar, se é pelo sintoma que procuramos uma análise é por ele também que avançamos. 
Sabemos que uma teoria de campo único não é possível. A psicanálise pode nos tirar da ilusão, não nos tira as ilusões, para nos por no lugar de falante, ou seja, implicando o sujeito na sua fala, fazendo com que cada um possa questionar suas escolhas.
Sabemos também que o discurso de uma dada cultura pode ser o discurso dominante e com isso fornecerá uma matriz para a configuração das subjetividades, sugestionando o lugar a ser ocupado pelo sujeito.  No entanto, enquanto pudermos nos interrogar acerca destas escolhas uma psicanálise é possível.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Por que somos impelidos a repetir?


Nas lições VI e VII do Seminário 9, A identificação, Jacques Lacan desenvolve o tema do automatismo de repetição. A novidade destas duas lições é a hipótese sobre a história da escrita que é apresentada na lição VII e que servirá para estabelecer uma homologia com a origem do inconsciente. Lacan aponta nestas lições para “uma estrutura comum” na origem da escrita e na origem do inconsciente.
Por que somos impelidos a repetir? Quem de nós já não se perguntou a respeito? Freud não deixou de perguntar isso a si mesmo um só instante. O que chamava de a wiederholungszwang (compulsão à repetição) funcionou como um motor para suas reflexões mais audaciosas. Elas provocaram grandes mudanças na teoria psicanalítica principalmente em seus textos: O estranho, de 1919, e Mais Além do princípio do prazer, de 1920. Freud partiu de certas observações clínicas, de algumas narrativas literárias e de certas ocorrências que pode constatar seja em seu ambiente, seja consigo mesmo esse fenômeno da repetição. Menciona o caso de uma mulher que se casou três vezes e que, todas as vezes, teve que cuidar do marido em seu leito de morte. Pergunta a si mesmo, o que levaria seu neto a brincar de uma maneira repetitiva com um carretel, no momento em que sua mãe se ausenta (Fort/Da). Há ainda suas próprias experiências, como a de voltar sempre à mesma cidade da Itália.
A compulsão à repetição é um dos conceitos fundamentais da teoria psicanalítica. Lacan, ao situá-la como um dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise em 1964, foi sensível à indicação do texto freudiano. A repetição representa a própria pulsação da teoria, na medida em que está marcada pela tedência a retornar sempre ao mesmo lugar estamos, neste sentido, diante de um conceito em que se cruzam várias noções psicanalíticas e lugar de passagem obrigatório de toda reflexão clínica. Seguindo os caminhos de Freud,  concluimos que a repetição faz parte da própria definição do inconsciente. Lacan frisou que, do lado do inconsciente, só há tendência a repetir. Esses dois modos de entender o conceito trouxeram à luz a idéia de um assujeitamento radical: a compulsão a repetição torna sensível esse lugar do sujeito como efeito dos significantes. Pois, diante dessa "pulsão" que obriga a repetir, o indivíduo reencontra sua impotência.
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Resenha a partir da leitura do termo Repetição, Compulsão á. Sousa, Edson. In: Kaufmann, Pierre. Dicionário Enciclopédico de Psicanálise - o legado de Freud e Lacan. RJ: Jorge Zahar editor, 1995.